Minoria que fala, que reclama, que desabafa. Minoria que pensa, se indigna, e consegue ter noção do problema. Essa é a democracia latino-americana. Eles têm os direitos, nós temos os deveres.
Ah! Em tempo. O cidadão que assina a carta é meu irmão.
FUI MULTADO
Pois é, fui multado. Estou sendo penalizado porque ensinei ao meu filho, um jovem de 24 anos, que parar num sinal, de madrugada, no Rio de Janeiro, é perigoso.
Fui multado. Ou melhor, ele foi. Mas, como dizer a ele que a responsabilidade pela infração não é minha, se eu mesmo lhe ensinei (e recomendei) que fizesse isso?
Recebo uma bela fotografia da traseira do meu carro, com informações sobre a data, hora, local de infração, velocidade (
Paro para avaliar, reflito sobre o que sei sobre este assunto:
- Os equipamentos são terceirizados. Uma empresa (licitada?) pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, instala, opera, mantém e explora o negócio (ou não é um negócio?);
- Ouço dizer que o negócio é extremamente rentável (para quem explora, assim como para quem concede);
- Você pode recorrer, mas não conheço ninguém que tenha conseguido o “perdão” (o que não quer dizer que não seja possível). Para recorrer é necessário anexar uma série de documentos, carimbos, no melhor estilo “burrocrático”;
- O próprio Governador do Estado (ou o Comandante da PM) já declarou que parar à noite em sinais de trânsito na cidade do Rio de Janeiro é perigoso. Basta abrir qualquer jornal para saber que ele está falando a verdade;
- O prefeito declara que tem R$ 5 bilhões de reais em caixa para “brincar” de administrador ao final do seu mandato (e conseguir iludir seus futuros eleitores, como é de seu costume). Imagino qual a participação de nós, infelizes motoristas-cidadãos (palavra da moda) da cidade que já foi maravilhosa, para ele ter conseguido esse valor faraônico (por que está guardado em caixa, se a cidade está um lixo?);
Me questiono:
Por que estou sendo punido? Por defender minha própria vida? Este não é o único direito inalienável do ser humano? Lá atrás, quando os primeiros pensadores estabeleceram as bases da civilização, do Estado de Direito, não ficou combinado assim? Então eu devo correr risco de vida para não contrariar a “camerazinha” instalada no sinal de trânsito, que me vigia 24 horas por dia? E quem vigia o assaltante? Onde estão as “camerazinhas” e o aparato eletrônico para vigiá-lo?
Aí, o meu pensamento deriva:
Onde está o poder público, que tem a obrigação de me defender? Onde estão sendo empregados os bilhões de reais recolhidos de impostos? Por que eu entrego cerca de 47% de tudo o que ganho para serem geridos pelos “governantes” (federais, estaduais e municipais)? Não há dinheiro para pagar um guarda que me dê segurança à noite na cidade? De que me serve toda a estrutura pública existente? Quem paga o salário de quem? Quem é o patrão? Deveria ser eu e os milhões de pobres coitados que formam o contingente de cidadãos de terceiro mundo, enézima classe, e que tiveram a infelicidade de nascer neste país.
Mas, espere aí: sempre foi assim? Deverá ser sempre assim? Não. Deve haver um meio, uma fórmula, um remédio capaz de nos livrar dessa situação.
Volto a pensar: quem está me punindo? O Poder Público. E quem é esse Poder? É aquele que deveria receber meus impostos e prover Educação, Saúde e Segurança para mim, meus filhos e todo o povo brasileiro. Deveria investir em infraestrutura e serviços em meu benefício e no de todos os brasileiros. Ah, como eu gostaria de ser punido por ESSE Poder Público, por ter contrariado uma regra estabelecida para o bem da sociedade. Eu estaria consciente de ter quebrado o contrato social e pagaria com satisfação por ver que existem regras e um poder coercitivo que, em nome de TODOS, toma providências para melhorar a vida de TODOS. Eu teria, portanto, consciência de viver em um país civilizado.
Mas, voltando ao tema, quem está me punindo? Um Poder que só utiliza a coerção em mão única (na minha direção). Que não cumpre sua parte no contrato. Ajudem-me os advogados: quando uma das partes não cumpre o que foi pactuado, o contrato não é nulo? A outra parte não fica desobrigada também do cumprimento? Ah, dirão, isso é do direito comercial, o direito público não é assim, as regras são outras. Quem nunca viu um carro da PM “furando” um sinal (sem sirene, lógico, porque com sirene, é até aceitável)?
Cada vez mais encurralado, busco uma saída: as leis! Sim, as leis! Elas não são feitas para nos proteger? Mais uma vez desanimo. Quem faz as leis? São pessoas de caráter, escolhidas entre os melhores para representar os contratantes? E essas pessoas, que fazem as leis, as cumprem? Ah, meu Deus, que desânimo!
Começo a me desesperar: O que estamos fazendo com o nosso país? Estamos entregando a uma (várias) quadrilha(s) quase a metade do que ganhamos, fruto do nosso trabalho honesto, para ser utilizado por eles a seu bel-prazer (e bota prazer nisso – vide as reuniões das mansões em Brasília, filhos bastardos, vítimas de erros de percurso), sem retorno visível para nós (a não ser migalhas). Além disso, esses nossos “representantes” quando se reúnem, votam leis contra nós, fazendo exatamente o contrário daquilo para o qual foram contratados!
Alguns me dizem: o processo democrático é a única maneira de resolver o problema. Será? Penso nas favelas do Rio de Janeiro. Se houvesse uma eleição por lá, alguém tem dúvida de quem seria eleito? Não é mais ou menos isso o que se passa conosco? E, depois, o rei (chefe do tráfico) não faz suas leis à revelia dos súditos?
É isso o que está acontecendo conosco? E a solução é o processo democrático? Nós realmente estamos vivendo numa democracia? Ou estamos na ditadura da bandidagem? Eles tomaram conta do país! Nós “perdemos”!
Contra o Poder, só outro Poder igual ou superior. Alguém pode instintivamente pensar que falo dos militares. Não, esses já provaram não ser solução (ao menos permanente, talvez temporária). O único Poder que eu consigo vislumbrar é o da Educação. Pessoas educadas, cultas, conscientes dos seus direitos (e, principalmente, deveres) têm o Poder de mudar as coisas.
Educação, educação, educação. Aumenta o meu desespero ao pensar nessa solução. Penso no Presidente...
Não é preciso dizer mais nada...
Talvez, se eu conseguir convencer minha empregada a votar melhor na próxima eleição...
Não.
Estou delirando.
Esquece...
Amanhã, vou pagar minha multa. Sentir-me humilhado, desamparado, triste.
Ouvi dizer que numa cidade da Espanha, os moradores destruíram todos os “pardais” a pauladas (quem sabe se conseguimos aumentar a cota de espanhóis por aqui?...).
Perdoem meu desabafo.
Erivaldo